Sete das 23 escolas do projeto-piloto têm todos os itens de infraestrutura
O projeto-piloto de terceirização da administração de escolas estaduais para organizações sociais (OS) em Goiás começará por 23 escolas, das quais sete têm todos os itens de infraestrutura considerados no edital de chamamento das entidades: biblioteca, banheiro com acessibilidade, laboratórios de ciências e de infomática, quadra de esportes e sala de professores.
Ao todo, 16.016 alunos e 291 salas serão administradas por OS ainda neste ano. Pela proposta do governo estadual, as organizações sociais, que são entidades privadas sem fins lucrativos, vão cuidar da administração e infraestrutura das escolas e poderão também contratar tanto professores quanto funcionários administrativos. Além disso, as OS devem garantir melhorias no desempenho dos estudantes. Neste ano, 200 escolas deverão fazer parte da iniciativa.
As escolas do projeto-piloto ficam nos municípios de Anápolis, Abadiânia, Alexânia, Nerópolis e Pirenópolis. É função das novas entidades administradoras das escolas proporcionar instalações físicas adequadas e cuidar da manutenção delas. De acordo com dados do Censo Escolar de 2014, as escolas que têm todos os itens de infraestrutura, são os colégios estaduais Gomes De Souza Ramos, Herta Layser Odwyer, Padre Fernando Gomes de Melo, Polivalente Frei Joao Batista, Senador Onofre Quinan e Virginio Santillo, em Anápolis, e o Colégio Estadual Osorio Rodrigues Camargo, em Abadiânia.
A Agência Brasil visitou uma delas, o Colégio Estadual Herta Layser Odwyer, uma das escolas ocupadas por estudantes que protestam contra o novo modelo de gestão e pedem a suspensão do edital de chamamento. “É uma ideia inovadora que o governo está tentando colocar. A ideia, até onde a gente soube, em reuniões e pelo que está no documento, eu acho que funciona”, diz o diretor da escola, Mário Rodrigues.
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“Eu não vejo como atrapalhar. Algumas pessoas veem como perda de autonomia, eu vejo como um processo tranquilo. A escola tem um conselho deliberativo, formado por professores, [funcionários] administrativos e pais de alunos. Esse conselho, até onde se entende, continua”, afirma Rodrigues. Perguntado por que a escola foi escolhida, ele não soube explicar com detalhes.
De acordo com o edital, as escolas selecionadas fazem parte de dois grupos. Ou são escolas grandes, cp, alta disponibilidade e qualidade da infraestrutura, com baixo gasto por aluno; ou são escolas médias, em áreas pobres, com níveis baixos de disponibilidade de infraestrutura, mas com qualidade alta.
Quanto à infraestrutura, os dados do censo mostram que 22 escolas dispõem de biblioteca; nove estão equipadas com laboratórios de ciência e 21, de informática; 21 têm sala de professores; 12, banheiros com acessibilidade e 20, quadras de esporte.
O edital estabelece um meta clara quanto à infraestrutura, no primeiro ano de gestão, as OS devem construir em todas as escolas salas de leitura. Apenas uma das instituições têm esse espaço. Nos dois anos seguintes, deve-se aumentar o acervo em 10% e o mobiliário em 5%, por ano.
“Estamos entregando a educação para uma experiência que não discutimos direito. O perigo maior é dar certo. É muito fácil pegar um piloto de 23 escolas, com boa estrutura, e investir torrões de dinheiro, justificando com índices que ninguém entende, e dizer que deu certo, que é bom, e espalhar para outras mais de mil escolas”, diz o professor associado do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais da Universidade Federal de Goiás Tadeu Arrais, que apoia as ocupações.
A secretária de Educação de Goiás, Raquel Teixeira, informa que as escolas serão monitoradas e comparadas com um grupo de escolas semelhantes para mostrar o quanto conseguiram avançar. “Agrupamos as escolas em grupos de similaridade pelo Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], pela estrutura física, pelos equipamentos, pela defasagem idade-série. De tal forma que, ao ser escolhida uma escola, provavelmente mais vulnerável, teremos outra escola semelhante, que será comparada com ela.”
De acordo com Raquel, a avalição será feita externamente, provavelmente por instituições que já trabalham com a secretaria, que são o Instituto Unibanco e o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Caed) da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Contrários a novo modelo de gestão, estudantes ocupam 27 escolas em Goiás
Na parede da cantina do Colégio Estadual Lyceu de Goiânia, uma cartolina mostra os horários das refeições para os estudantes que ocupam a escola desde dezembro do ano passado. São quatro: café da manhã, almoço, lanche e jantar. Na última segunda-feira (18), o café que seria servido às 8h30 atrasou duas horas. “Passamos a manhã reunidos com os pais de alunos e alunos que vieram buscar informações na escola”, explica Guilherme*, estudante do ensino médio da escola e um dos primeiros ocupantes do lugar. As aulas começariam na quarta-feira (20) e o clima era de incerteza. Nem os ocupantes nem os pais sabiam o que aconteceria. Horas mais tarde, a secretária de Educação do estado, Raquel Teixeira, anunciaria que o início das aulas seria suspenso nos colégios ocupados.
Tradicional na cidade, o Colégio Lyceu, localizado no centro da capital, foi a terceira escola a ser ocupada por estudantes secundaristas, no dia 11 de dezembro do ano passado. No total, 27 escolas estão ocupadas no estado. A última, o Colégio Estadual Rui Barbosa, foi ocupada na noite de sábado (23), segundo publicações feitas pelos estudantes no Facebook, principal meio de comunicação do movimento.
Os alunos protestam contra o novo modelo de gestão proposto pelo governo, que terceiriza a administração das escolas a entidades filantrópicas, as organizações sociais (OS). Na prática, os repasses públicos passam a ser feitos às entidades, que serão responsáveis pela manutenção das escolas e por garantir melhor desempenho dos estudantes nas avaliações feitas pelo estado. Elas podem inclusive contratar professores e funcionários.
“Não houve diálogo algum. Estamos lutando por melhorias na educação. Estamos cansados de receber migalhas enquanto o dinheiro fica no bolso dos grandes”, diz Guilherme, de 16 anos. Os estudantes pedem que o edital de chamamento das OS, publicado no final do ano passado, seja revogado e que o governo discuta o modelo com a comunidade escolar. “Em São Paulo, as ocupações deram certo, o que temos a perder? Eles acreditaram. Vamos fazer isso porque acreditamos que vai dar certo”, acrescenta.
Dia a dia
O movimento começou no dia 9 de dezembro com a ocupação, em Goiânia, do Colégio Estadual José Carlos de Almeida (JCA), inativo desde 2014. “Eu estudava no JCA quando ele foi fechado, primeiro foi a desculpa de uma reforma, depois de que não havia alunos suficientes para manter a escola funcionando. Eu estava viajando de férias, quando cheguei recebi a notícia de que a escola tinha fechado e que eu seria transferida para o Lyceu”, conta Narryra, 16 anos, uma das ocupantes. A reabertura do JCA também está na pauta de reivindicação dos alunos.
No dia em que concedeu entrevista para a Agência Brasil, Narryra visitava a ocupação do Lyceu pela segunda vez. Embora a mãe incentive a participação dela no movimento, o pai acredita que é perigoso e proíbe a filha de frequentar as escolas ocupadas. “Venho só de dia, não posso dormir”. Ao lado de Narryra, Liz, 17 anos, ex-aluna do Lyceu, complementa: “Pais e alunos acham que aqui é só bagunça, não é”. Recém saída do ensino médio, Liz acabava de saber que foi aprovada em psicologia, na Universidade Federal de Goiás (UFG) pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
A rotina das ocupações inclui a limpeza da escola, oficinas, aulas públicas e eventos culturais que são divulgados pelo Facebook. As ocupações visitadas não tinham mais de 30 alunos em cada, algumas tinham menos de dez. A alimentação vem de doações da comunidade. Segundo os alunos, artistas locais, professores e pais contribuem. Nas portas das escolas, vários cartazes pedem recuo na implantação do modelo das OS e enfatizam: “Educação não é mercadoria”.
No Colégio Estadual Bandeirante, estudantes aproveitaram para mostrar como queriam a educação. Nos banheiros, colocaram cartazes que asseguravam o uso por transexuais, conforme o gênero com o qual se identificam.
Embora a reivindicação principal seja a desistência da implementação das OS, os estudantes usam as ocupações para expor outras demandas, como melhorias na infraestrutura. O Bandeirante foi o colégio com as piores condições físicas visitado pela reportagem, havia várias infiltrações, tanto nos corredores quanto nas salas de aula. Diversas janelas estavam sem os vidros e a pintura do prédio, descascando. A escola foi a penúltima a ser ocupada, no dia 14 de janeiro.
“Por falta de verba, no ano passado, um dos professores estava arrecadando dinheiro para a gente reformar a escola, para a gente mesmo pintar nossas salas e ter um ambiente de ensino mais agradável. Algumas salas conseguiram arrecadar, mas não teve reforma, faltou mobilização”, conta Ranilson, 16 anos, que ocupa o Bandeirante, escola na qual estuda.
Nas ocupações, também há cuidado com os porta-vozes. Os estudantes definem quem serão e há restrição de captação de imagens e dos nomes a serem divulgados. Há estudantes do ensino superior, artistas e professores universitários e da educação básica que frequentam os locais, mas quem fala pelo movimento é sempre um secundarista, geralmente que estuda ou estudou na escola. “A coisa mais importante é que não estamos filiados a nenhum partido político. Ninguém fala de partido político aqui”, diz Luciano, 17 anos, do Colégio Antensina Santana.
A escola, que fica em Anápolis, é uma das que está incluída no primeiro projeto de administração das OS e deverá implantar mudanças na gestão ainda este ano. No local, professores, funcionários e pais circulam livremente. A escola funcionou normalmente no período de matrícula. A imprensa, no entanto, está proibida de entrar. Luciano recebeu a reportagem da Agência Brasil no portão do colégio. “Temos que ter cuidado, estamos sendo muito pressionados”, diz.
Com o início das aulas, na última quarta-feira (20), a pressão aumentou. A Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Seduce) determinou que as aulas nas escolas ocupadas só começarão quando os espaços forem desocupadas. A secretaria diz que pretende fazer uma vistoria nos locais.
O governo pediu à Justiça a reintegração de posse de todas as unidades. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) decidiu pela desocupação de três escolas públicas estaduais José Carlos de Almeida, Lyceu de Goiânia e Robinho Martins de Azevedo. Os estudantes que foram notificados na última semana dizem que vão recorrer da decisão.
“A escola é o lugar dos estudantes. Estamos saindo da nossa zona de conforto e abrindo nossa boca. Estamos lutando pela educação, que é um direito nosso”, diz Guilherme.
Organizações sociais
O projeto-piloto do novo modelo de gestão das escolas começará por 23 unidades da Subsecretaria Regional de Anápolis, que compreende também o entorno da cidade. As escolas que fazem parte do projeto-piloto ficam nas cidades de Anápolis, Abadiânia, Alexânia, Nerópolis e Pirenópolis.
“Eu vejo as ocupações com preocupação, claro. Embora, estatisticamente, seja um número reduzido, a rede tem mais de 1,1 mil escolas, se fosse apenas uma escola ocupada, eu me preocuparia do mesmo jeito”, diz a secretária de Educação, Raquel Teixeira.
“Acho que há todo tipo de sentimento nessas ocupações, há os legitimamente inseguros com as mudanças, há aqueles que se aproveitam para uma briga política, às vezes ideológica, às vezes partidária, o que é legítimo e acontece nos movimentos sociais. Recebo com respeito e tenho me colocado à disposição para o diálogo”, garantiu a secretária.
O edital de chamamento das OS foi publicado no Diário Oficial do estado no dia 30 de dezembro do ano passado. A abertura de envelopes será feita no dia 15 de fevereiro.
Apesar de assegurar que está aberta para conversar com os estudantes, professores e pais, a secretária afirmou que não suspenderá o processo.
*Alguns nomes foram trocados a pedido dos estudantes