- Wladimir Pomar – 06/01/2018
As tendências econômicas, sociais e políticas, internacionais e nacionais que marcaram 2017 não foram tranquilizadoras, indicando que 2018 pode ser ainda mais perturbador. A crise capitalista global parece se aproximar de novo surto de irracionalidade financeira, enquanto o governo trumpista continua empenhado em criar turbulências em toda parte.
Nessas condições, a possibilidade de eclosão de conflitos nacionais e regionais, capazes de colocar todo o resto do mundo em tensão máxima, continua sendo uma perspectiva real, principalmente se considerarmos que a fração industrial armamentista dos Estados Unidos, em conluio permanente com seu sistema financeiro, passou a ser uma das principais peças das consultorias do governo Trump.
Também não é impensável o ressurgimento de processos regionais e nacionais, sejam regressistas e reacionários, sejam revolucionários. Todos em consequência ou como reação à crise e às intervenções das grandes potências, que estão produzindo imensas migrações, aumento da miséria social, desemprego estrutural e paralisia econômica. Apesar de indicadores menos turbulentos, como melhoria nos preços de algumas commodities minerais e agrícolas, é com a provável piora do contexto mundial que o Brasil se verá em 2018.
O governo golpista, auxiliado pelo partido da mídia, deve continuar martelando a “pauta positiva”: “inflação em queda”, “economia em recuperação”, multiplicação das “oportunidades de negócios”, “redução do desemprego”, “juros em baixa”, “aumento dos investimentos” (mesmo quando direcionados para bolsas de valores ou outros mecanismos especulativos), e “elevação dos recursos para programas sociais”.
Ou seja, nada ou quase nada diferente do praticado em 2017. Paralelamente, deve dar continuidade ao programa de “reciclagem” dos processos contra a corrupção, de modo a salvar sua própria quadrilha e fazer com que a guilhotina desses processos recaia exclusivamente sobre Lula e o PT.
A realidade, porém, tende a potencializar os aspectos negativos das “reformas neoliberais” e da prática governamental golpista. Nada indica que a continuidade do desemprego de milhões de trabalhadores, associada à precarização dos empregos existentes e a uma atividade econômica recessiva terá alguma perspectiva real de melhora. E tudo indica que uma possível aprovação dos cortes previdenciários e da elevação dos tributos pagos pelos mais pobres continuará alimentando dolorosamente explosões populares anárquicas e a “guerra civil não declarada” que consome mais vítimas anuais do que guerras reais em outras partes do mundo.
Porém, mesmo assim não se deve desprezar a capacidade da burguesia em acuar o povo e suas forças democráticas e progressistas e consolidar seu projeto durante 2018, com o impedimento da candidatura Lula e a “eleição” de Alckmin, Bolsonaro ou outro candidato tirado da cartola. O que vai depender, em grande medida, do PT e demais correntes de esquerda reconhecerem a tempo que sua base social popular e democrática está dispersa, desorganizada e desestruturada, sem condições imediatas de uma mobilização massiva como nas greves de 1978 e nas “diretas já” de 1983, único tipo de mobilização capaz de dar um basta! ao golpismo.
Se as organizações de esquerda forem incapazes desse reconhecimento e não derem a atenção necessária para reverter essa situação, dificilmente terão condições de conter a ofensiva estratégica reacionária, vencer a batalha tática eleitoral de 2018 e transformar a maior parte do povo brasileiro numa força capaz de derrotar a ação destrutiva do conluio entre a burguesia nativa e a burguesia monopolista estrangeira.
Não há dúvidas que muita gente na esquerda voltou a falar na necessidade do trabalho cotidiano de base, num reconhecimento explícito de que a esquerda perdeu seu enraizamento tanto nos locais de trabalho quanto de moradia e estudo das classes populares, locais que são o foco principal da luta dessas classes por seus direitos e reivindicações elementares. No entanto, isso nem sempre é acompanhado do reconhecimento de que se deve, em grande parte, ao abandono ou enfraquecimento das formas de organização sindical, associativa e partidária de base nesses locais.
Em tais condições, mesmo que as diversas correntes de esquerda consigam elaborar um novo projeto estratégico para o Brasil, terá pouco efeito se elas não conseguirem barrar a ofensiva reacionária. O que só será possível se contarem com organizações de base atuantes, capazes de mobilizar contingentes massivos que possam deter as diferentes frentes da ofensiva reacionária. Dizendo de outro modo, isso significa que, no atual momento, a questão estratégica reside em criar uma barreira populacional massiva para deter a ofensiva reacionária.
Isto é, a tática de luta de 2018 será estratégica para derrotar os golpistas e criar condições favoráveis para construir um projeto que leve em conta as experiências negativas e positivas da esquerda no governo do país. Assim, as diversas correntes ou partidos da esquerda perderão tempo e esforços se forem incapazes de colocar em primeiro plano a organização, a luta e a mobilização social massiva, capaz de derrotar a ofensiva golpista e criar condições reais para discutir e levar à prática um novo projeto de país.
Nesse sentido, a questão central da atualidade brasileira reside na defesa dos direitos sociais. É a defesa desses direitos que pode mobilizar dezenas de milhões de trabalhadores e membros de outras camadas populares e da pequena-burguesia na defesa dos direitos democráticos e da soberania nacional. E é essa mobilização massiva que pode levar o bloco dominante a rachar e fazer com que frações médias da burguesia fiquem neutras ou mesmo se aliem às camadas populares e médias. Isso nada tem a ver com qualquer pacto entre a classe trabalhadora e setores da burguesia, mesmo porque a esmagadora maioria da burguesia brasileira é associada, dependente e subordinada das burguesias monopolistas estrangeiras.
Pensando para além de 2018, caso as forças populares e democráticos derrotem os golpistas, assumam o poder de Estado e iniciem a construção de um projeto de transição socialista, poderá haver um pacto com uma nova burguesia para o desenvolvimento das forças produtivas, pacto que incluirá a subordinação dessa burguesia ao poder democrático e popular e a cooperação e a concorrência de suas empresas com as empresas estatais.
Antes disso, porém, apesar das divergências que possam existir, será preciso garantir que Lula concorra às eleições de 2018 com o compromisso de revogar as reformas neoliberais e iniciar um programa de desenvolvimento que inclua uma reindustrialização soberana, com geração de empregos, elevação da renda da sociedade, alteração da estrutura produtiva, reconstrução e modernização da infraestrutura nacional (portos, ferrovias, hidrovias, aeroportos e geração de energia limpa). Tudo isso tendo em vista o desenvolvimento social e o mercado interno, suprindo a população de alimentos e produtos industriais, de transportes, saneamento básico, água potável, educação, saúde, energia elétrica e moradias.
Ou seja, dependendo da capacidade das correntes de esquerda compreenderem esse jogo da relação entre estratégia e tática, na qual momentaneamente as questões táticas se tornam estratégicas, isso pode levá-las, em 2018, a jogarem pesado na mobilização popular para deter a ofensiva neoliberal radical e passar à contraofensiva, tendo as eleições presidenciais como a batalha da virada. Se não forem capazes dessa compreensão, talvez 2018 se afirme não como o ano de virada do povo brasileiro, mas como o ano em que as forças reacionárias consolidaram seu golpe e vão submeter esse povo a um período ainda mas destrutivo do que a década neoliberal dos anos 1990. E não adianta chorar.
Por Wladimir Pomar, que é Escritor e Analista Político.
Artigo colhido no sítio http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/13038-2018-ano-de-virada-ou-de-choro
2017: sinal negativo para o futuro
- Wladimir Pomar – 23/12/2017
No início de 2017 avaliamos que o ano poderia ser de muitas turbulências e, também, de esforços, pelas forças de esquerda, para a superação de erros e problemas dos anos anteriores e para a elaboração de novas estratégias e de táticas de disputa ideológica, de organização e de luta para enfrentar os problemas imediatos. Isto é, problemas relacionados com a defesa dos direitos econômicos, sociais e políticos dos trabalhadores e demais camadas populares, com a implantação de reformas que ampliassem as conquistas democráticas e populares da Constituição de 1988, e com a renovação democrática e popular dos legislativos e da presidência, em 2018.
Em termos internacionais, as turbulências de 2017 vieram principalmente das novas tentativas dos Estados Unidos, tendo à frente Donald Trump, de reassumir, na marra, o papel hegemônico perdido para a multipolaridade. Tentativas que fecharam o ano com o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, além da ameaça de destruição completa da Coreia do Norte, reiterando as pretensões trumpistas em envolver o mundo em turbulências de resultados incertos e destrutivos.
No Brasil, 2017 foi marcado pela continuidade da ofensiva neoneoliberal e de seu golpe parlamentar-judicial, assim como pelo aprofundamento da divisão entre as classes sociais que conformam a sociedade brasileira. É evidente que tal continuidade e tal divisão se exprimiram, na política, pela contínua destruição dos direitos sociais, dos empregos, tanto com direitos trabalhistas quanto precários, das liberdades democráticas, das empresas estatais, da indústria, da soberania nacional, e dos leves avanços da Constituição de 1988.
Tudo num jogo sujo, mas nem sempre bem articulado, entre o governo usurpador e corrupto, a maior parte das bancadas da Câmara e do Senado, e a maioria do judiciário e do aparato burocrático e militar do poder de Estado. Todos aparentemente orientados pelo oligopólio midiático e sua intelectualidade orgânica.
Porém, apesar das propagandas enganosas de “retomada do crescimento”, o fracasso econômico e o desastre social teimaram em continuar se mostrando de inúmeras maneiras. E, apesar do contínuo bombardeio alardeando os supostos atos corruptos de Lula e do PT, o que explodiu com mais força do que a barragem de lama de Mariana foi a corrupção explícita e documentada dos principais golpistas nos governos central e estaduais e no parlamento.
Essas evidências desastrosas do golpe, porém, não bastaram para deixar claro para a maior parte das forças políticas, inclusive da esquerda, que classes e forças sociais atuam na base da sociedade, seja para impor interesses que pareciam ultrapassados pelas políticas redistributivas dos governos hegemonizados pelo PT, seja para posicionar-se diante dos efeitos destrutivos da imposição daqueles interesses. Na prática, sem a percepção clara dos interesses específicos das diversas frações das classes presentes na sociedade brasileira fica difícil compreender, por exemplo, por que emergiram contradições e conflitos entre os setores políticos golpistas, ou por que cresceu a aceitação popular de Lula e do PT, apesar do bombardeio midiático contra eles.
Há analistas para quem os responsáveis únicos pelo golpe parlamentar e judicial e pela política em curso foram as frações financeiras das burguesias das grandes potências estrangeiras. Isso se traduziu, na política, em achar que o sistema financeiro nacional, ou parte dele, poderia ter se aliado às forças sociais que labutaram pela derrota dos golpistas e pela retomada do caminho democrático aberto com a Constituição de 1988. Na verdade, as frações financeira e agronegociante da burguesia nacional elevaram-se a hegemônicas e estabeleceram uma aliança estreita com as grandes corporações transnacionais das potências capitalistas.
Essas frações sociais atuam em conjunto no processo de espoliação das riquezas brasileiras (o que inclui a espoliação dos trabalhadores) e é um erro supor que possam ter interesses econômicos e sociais de caráter nacional, democrático e/ou popular. Adicionalmente, a maior parte das demais frações burguesas nacionais (industrial, comercial e de serviços), tendo a oportunidade de lucrar no rentismo, também embarcou na política de desnacionalização empresarial e de superexploração do trabalho. Com exceções pontuais, tais setores não têm qualquer compromisso com os interesses nacionais de industrialização e desenvolvimento científico e tecnológico soberanos.
Durante os governos petistas, todas essas frações burguesas mantiveram uma dupla face. Por um lado, de aliança fictícia com as políticas desses governos. Por outro, de trabalho de sapa contra eles, minando-os e exaurindo-os através de operações de corrupção em larga escala, até unificar-se, em 2016, para a consecução do golpe de impedimento da presidente Dilma. Com isso, acreditaram possível utilizar o ano de 2017 para transformar as eleições de 2018 num passeio. Supuseram que o bombardeio midiático e judicial contra Lula e o PT tiraria ambos do páreo.
Para eles, a vitória eleitoral em 2018 permitiria ao golpismo legalizar-se e ir ainda mais longe nos ataques contra as classes populares, os direitos sociais, as liberdades políticas e a soberania nacional. Para seu azar, porém, o governo Temer transformou-se num trambolho. As promessas de recuperação dos empregos e da renda caíram no vazio. As políticas de redução da inflação e da taxa básica de juros, desacompanhadas de políticas de investimentos públicos, só geraram pautas de notícias positivas sem qualquer semelhança com a realidade.
Nessas condições, a maioria da população passou a enxergar a campanha contra Lula e o PT não como motivação jurídica, mas como perseguição política. E as preferências eleitorais passaram a apontar Lula como candidato preferido para as eleições presidenciais de 2018. Essa dupla inversão das expectativas políticas da burguesia dominante piorou com a falta de condições do governo Temer em atender demandas específicas, a exemplo da reivindicação escravocrata do agronegócio e dos interesses cartoriais da base parlamentar golpista. O que introduziu uma crescente divisão no seio da burguesia e, em consequência, no seio de sua representação política, embora não haja predisposição das frações burguesas, hegemônicas ou não, de mudar de lado como ocorreu em 2002.
Enquanto isso ocorria nos setores dominantes da sociedade brasileira, nos setores dominados (classe trabalhadora, excluídos, pequena-burguesia urbana e pequena-burguesia rural) instalou-se a paralisia social e política. Embora sofrendo as consequências das políticas neoliberais radicais do governo golpista, as classes populares não se mobilizaram com a ênfase necessária para contrapor-se a tais políticas.
As causas dessa paralisia talvez devam ser buscadas no fato do PT e demais partidos e correntes da esquerda haverem substituído, em maior ou menor escala, o trabalho de base cotidiano relacionado à luta em defesa dos interesses imediatos dessas classes, pelo trabalho institucional, parlamentar ou governamental, nacional, estadual e/ou municipal.
No PT esse descolamento ocorreu à medida que predominou, em seu meio, a ilusão de que os programas sociais dos governos petistas seriam capazes de atender a todos os interesses imediatos das classes populares. Nos demais partidos e correntes de esquerda, o descolamento ocorreu à medida que eles tomaram os governos petistas como inimigos principais, confundiram a luta pelos interesses imediatos com a luta contra o PT, e mergulharam num trabalho institucional reverso. Acrescente-se a isso o sério erro estratégico do governo Dilma em realizar o ajuste fiscal reclamado pelos neoliberais ao invés de cumprir as promessas populares das eleições de 2014.
O descolamento generalizado dos partidos e correntes de esquerda em relação às bases onde se encontram seus principais suportes sociais impediu não apenas a unificação dessas forças para combater o golpe de 2016, mas também para combater a continuidade da ofensiva reacionária em 2017.
Apesar disso, no PT continuou havendo uma maioria segundo a qual não havia motivos para autocrítica em relação àqueles erros políticos e organizativos, assim como em relação às denúncias de corrupção envolvendo alguns de seus dirigentes que, inclusive, se dispuseram a acordos de delação premiada. E em várias das outras correntes de esquerda continuou predominando a ideia do PT como inimigo ou, na melhor das hipóteses, como uma carta política fora do baralho.
Nessas condições, a suposição de que o desenlace da luta da direita contra a esquerda e outras forças progressistas e democráticas dependia da mobilização social de massa passou a ser substituída pela suposição de que tal desenlace estaria relacionado à elaboração de um novo projeto estratégico. Assim, enquanto tal novo projeto não era elaborado, ficou fora de foco a realização da disputa ideológica e política e da luta concreta contra a continuidade da ofensiva reacionária da direita.
Assim, 2017 se encerra tanto com o crescente embaraço em que se encontram as forças sociais burguesas para fazer com que seu governo “arrume a casa”, “retome o crescimento econômico e o emprego”, e “mantenha a luta contra a corrupção”, mesmo deixando-se cortar na própria carne, quanto com as dificuldades dos trabalhadores, dos excluídos e da pequena burguesia em se contraporem à piora de sua situação econômica e social, à redução ou à perda de seus direitos ao trabalho, à saúde, à educação, à aposentadoria e à participação política.
Como ocorreu em outros momentos da história brasileira, o povo pode demorar a se dar conta de que a propaganda das “benfeitorias” prometidas pelos golpistas é farsa enganosa, e que as reformas deles são mais radicalmente regressivas, privatistas e desnacionalizantes do que as dos anos 1990, podendo devastar a economia e a sociedade brasileira por vários anos mais. Nesse sentido, a continuidade, em 2017, da derrota estratégica da esquerda brasileira, incapaz de dar uma resposta efetiva ao avanço reacionário da direita, pode ser considerada um sinal negativo para o futuro.
Por Wladimir Pomar, que é Escritor e Analista Político.
Artigo colhido no sítio http://www.correiocidadania.com.br/colunistas/wladimir-pomar/13016-2017-sinal-negativo-para-o-futuro