- Guilherme Costa Delgado – 06/01/2018
Os fatos políticos relevantes, suscetíveis a alterar o quadro institucional fortemente desestruturado no período 2015-2017, são as eleições gerais para o Congresso e chefias do Executivo, especialmente da Presidência da República.
Mas a depender do que ocorra no período pré-eleitoral, poderemos ter:
1) mudança significativa de rumos;
2) acomodações e acordões com o grupo promotor do “golpe do impeachment”;
3) um golpe branco, espécie de AI- 5 sem os militares, que estabeleça regime parlamentarista ou aproximado, à revelia da soberania popular, para dar prosseguimento ao que foi desregulado entre 2016 e 2017.
Por sua vez, como o governo surgido do golpe parlamentar-judiciário não logrou estabelecer estratégia de acumulação de capital no período recente, mas tão o somente a desregulação dos mercados de trabalho, terra e dinheiro (ver análise Retrospectiva de 2017 no link ao final), somente estão organizados pelo governo os mecanismos de finanças públicas que realizam a apropriação financeira na crise, especialmente o crescimento desenfreado da Dívida Pública, puxado pelo componente da despesa financeira. Os aparatos do setor público que promovem crescimento econômico e coadjuvam a acumulação de capital estão completamente desativados.
Vejam, que até o momento só comentamos a política, porque é a partir desta que se organizam os cenários de desempenho econômico para o futuro; ou o seu inverso: a estratégia de apropriação financeira, com a economia semiestagnada por muitos anos, a serviço dos proprietários da riqueza financeira.
Por tudo que foi apresentado, é necessário traduzir as três alternativas que estão tácita ou ostensivamente postas:
1) mudanças significativas de rumos;
2) acordão com os golpistas;
3) continuidade e aprofundamento da estratégia do governo Temer.
A mudança significativa de rumos tem dois movimentos:
a) revogação do entulho autoritário do governo Temer, que à revelia da Constituição submeteu as relações sociais básicas do trabalho, da terra e minas e das finanças públicas a forte processo de desregulação, com vistas precisamente a uma regulação exclusiva pelos mercados respectivos.
Isto precisa ser submetido a referendo popular, especialmente a EC 95/2016, que estabelece o teto por 20 anos do gasto primário e ilimitada operação do gasto financeiro. É preciso dizer com clareza que esse aparato desregulatório serve, feito ‘mão à luva’, a uma estratégia de apropriação estrita pelo capital financeiro, mas não atende ao crescimento econômico.
b) Revogados os dispositivos do ‘entulho desregulamentador’, é necessário realizar verdadeiras reformas, não apenas tributária e previdenciária em perspectiva de ampliação da igualdade, mas, com muita ênfase, do sistema de finanças públicas em seu conjunto, que já era desregulado desde o Plano Real, mas agora exacerbou sua configuração. Sem isto não se vai à frente na mudança de rumos.
As alternativas 2 (Acordão) e 3 (continuidade do processo do golpe, que pressupõem os acordos da “Carta aos Brasileiros”, de 2002), por um lado, e a aplicação tácita do golpe parlamentar para dar continuidade ao ‘regime Temer’, por outro, somente adiariam ou aprofundariam o quadro de crise do presente.
Por ora não é necessário dar os nomes aos bois desse jogo político. Tampouco cabem projeções numéricas de “Risco Brasil”, PIB e emprego, tão a gosto de certos setores dos chamados mercados.
A maior dificuldade do ano eleitoral é a comunicação de mensagens políticas complexas em linguagem compreensível. Mas sem a politização da causa principal da regressão econômica do Brasil – o seu sistema financeiro público – as perspectivas para 2018 encolhem e as esperanças se frustram.
Por Guilherme Costa Delgado, que é Doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
Artigo colhido no sítio http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/13045-perspectivas-da-economia-brasileira-para-2018
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A economia em 2017
O caminho percorrido em 2017 pela economia brasileira é do terceiro ano consecutivo de forte recessão, não obstante as narrativas oficiais e oficiosas da recuperação econômica no segundo semestre, cuja efetividade estaria a se expressar pela recuperação do mercado de trabalho ou paralela diminuição do desemprego aberto, que comentaremos mais adiante.
Mas o fraco desempenho da atividade econômica em praticamente todos os grandes componentes de demanda final – investimento público (constrangido pela PEC do teto), investimento privado paralisado, exportações estagnadas, consumo interno idem; não revelam movimento claro de recuperação a partir da dinâmica dos mercados e menos ainda do setor público. Provavelmente acabaremos o ano com o crescimento absoluto do PIB abaixo de 1%, o que significa crescimento negativo em termos per capita, depois do decréscimo profundo de –3,8% em 2015 e –3,6% em 2016.
A narrativa da recuperação econômica no segundo semestre, a partir das divulgações não contextualizadas da recuperação do emprego, precisa ser devidamente qualificada. A Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) até o terceiro trimestre do ano revela um movimento claro de recuperação do emprego informal – ao redor de 1,7 milhão de empregos; mas o CAGED (Cadastro Geral de Emprego e Desemprego), no acumulado de janeiro a agosto, apresentava em setembro 381 mil desempregos formais líquidos no ano.
Tudo que se pode deduzir desses dados é um movimento autônomo de autoproteção social, que pela criação de autoocupações, assalariamento sem carteira, trabalho por conta própria etc. foge do desemprego aberto, mas sem ingressar no trabalho protegido pelo direito social. Isto corresponde a 100 % das ocupações criadas no ano pela via informal. O mercado formal liquidamente não criou empregos novos, mas, ao contrário, ainda apresentou saldo negativo.
Por sua vez, com a alteração das regras trabalhistas em 2017, fruto da combinação das leis de terceirização geral (Lei 13.429/2017) e de mudança radical da CLT (Lei 13.429/2017), vigente a partir de novembro, relativiza-se na lei o conceito de trabalho protegido. Mas na realidade vigente do mundo do trabalho e também nas estatísticas, formalização e informalidade estão ou não ligados à proteção trabalhista e previdenciária. E o que se pode ler do movimento de recuperação, louvado pelos apologistas do ‘mercado’, curiosamente não é a recuperação da sociedade salarial, mas as formas antigas da economia de subsistência e da informalidade, que sucedem a um forte movimento de avanço da sociedade salarial entre 2000 e 2013.
Uma segunda característica relevante da economia brasileira em 2017 é o aprofundamento da desregulação fiscal-financeira, que sequer é notada pelos analistas dos mercados. Mas o ano fiscal se caracteriza por uma prodigalidade de renúncias tributárias, sob o formato de REFIS; de renúncias de tributação na área petroleira; de manutenção dos privilégios fiscais pré-existentes (desde 1995) aos rendimentos do capital; de manutenção da promiscuidade financeira com os paraísos fiscais à espera de um nova “repatriação”; e finalmente, como prêmio no final do ano – a MP 784/2017, convertida em lei ao apagar do ano, de forma um tanto esquisita (Lei n. 13.506/2017), que regula os Acordos de Leniência na área financeira, protegidos pelo segredo criminal perpétuo.
Todos esses mecanismos desrregulatórios têm evidentes consequências sobre o crescimento da despesa financeira e da Dívida Pública. Mas isto ficou de tal forma ‘naturalizado’, que nem entra na análise convencional.
O terceiro campo da desregulação, que se aprofundou no ano, é a das relações fundiárias, com a Lei 13.465/2017 (antiga MP 759/2017), que praticamente legalizou a grilagem de terras e subliminarmente as incentivou. O prêmio concedido é o da venda de terra pública grilada entre 10% a 50% do valor de marcado, legalizando a propriedade privada. Novas rodadas na linha da mercantilização completa e internacionalização do mercado de terras foram tentadas, mas barradas por pressão da área militar; ou internacional, como no episódio do Decreto da reserva mineral RENCA, no Amapá
Em síntese, o ano foi pródigo em legislação com propósito tácito e explícito de colocar as relações de trabalho e as relações fundiárias sob domínio exclusivo dos mercados, relegando os direitos sociais à condição marginal. E no campo das finanças públicas, a diretiva geral é avançar de todas as formas na apropriação do excedente econômico, nos seguintes formatos:
a) eliminar as finanças sociais do ordenamento legal (Emenda Constitucional n. 95-2016 – a PEC do teto por 20 anos, coadjuvada pela PEC da Reforma da Previdência);
b) converter de muitas formas as liberalidades fiscais e financeiras concedidas em “despesa financeira” e Dívida Pública, ao arbítrio exclusivo do alto staff financeiro, com o que se comprometeriam os excedentes econômicos do futuro aos detentores da riqueza financeira.
E desse arranjo, diga-se, a bem da verdade, o governo Temer é um mero despachante. As implicações de futuro disso tudo ficam para outro artigo.