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O Brasil não cabe no quintal de ninguém

A estratégia do governo brasileiro de atribuir prioridade às relações com os países em desenvolvimento ainda incomoda aqueles que nutrem pelo “Primeiro Mundo” um deslumbramento beócio.

Digito o título e paro. Acho que já o usei antes. Paciência. Fim de ano é assim mesmo.

Hoje quero escrever um pouco sobre as negociações comerciais externas. Sempre me pareceu existir uma certa desproporção entre a dimensão e o potencial do Brasil, de um lado, e a visão que as elites nacionais têm do país e do seu papel no mundo, de outro. O sintoma mais recente dessa desproporção é a visível má vontade de muitos setores com a política comercial do governo Lula. E, no entanto, essa é uma das poucas áreas em que o governo tem se mostrado capaz de inovar e atuar de forma razoavelmente eficiente.

Não quero ser agressivo nem indelicado com ninguém, mas a verdade é que boa parte das elites brasileiras tem uma vocação arraigada, quase diria atávica, para a subordinação e a subserviência. Não acreditam no país e nutrem pelo “Primeiro Mundo” um deslumbramento beócio, uma admiração essencialmente acrítica, que chega não raro às raias da abjeção.

Assim, muitos não se conformam com o atraso nas negociações com os EUA e a União Européia. Também não aceitam a ênfase conferida às relações com a América do Sul e países em desenvolvimento de outros continentes. Procuram estigmatizá-la como renascimento de um suposto “terceiro-mundismo” no Palácio do Planalto e no Itamaraty. O que interessa, afirmam alguns, é o estreitamento dos laços com os grandes mercados dos países ricos, e não alianças, de caráter retórico ou ideológico, com outros países pobres.

A evolução do comércio exterior brasileiro não parece confirmar essa avaliação. No acumulado de janeiro a novembro de 2004, em comparação com igual período de 2003, as exportações do Brasil para o Mercosul aumentaram 60%. Para os demais países latino-americanos (Aladi, exclusive Mercosul), o aumento das nossas vendas foi de 50%. Para a África, 49%. Para a China, 20%. Para o Oriente Médio, 36%.

No passado recente, a participação dos países em desenvolvimento nas exportações do Brasil cresceu consideravelmente e já alcança quase 50% do total. Não se deve perder de vista, além disso, que nas nossas vendas para esses mercados predominam produtos de valor agregado mais alto. No caso da América do Sul, os manufaturados respondem por mais de 90% das exportações brasileiras.

O Mercosul vem negociando diversos acordos comerciais com outros países em desenvolvimento. Foram concluídos acordos de comércio preferencial com a Índia e a União Aduaneira da África Austral (África do Sul, Botswana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia). Com a Colômbia, o Equador, o Peru e a Venezuela foram negociados acordos de livre comércio. Caminhamos gradualmente para a formação de uma Área de Livre Comércio da América do Sul.

Evidentemente, nada disso significa dar as costas aos mercados dos países desenvolvidos. Apesar do impasse na Alca e na negociação entre o Mercosul e a União Européia, o comércio com norte-americanos e europeus continua em expansão. No período janeiro-novembro deste ano, relativamente ao mesmo período do ano passado, as exportações brasileiras para a União Européia e para os Estados Unidos cresceram 30% e 21%, respectivamente.

As negociações com os norte-americanos e europeus, tal como conduzidas até 2002, afiguravam-se como muito problemáticas para o Brasil. Pouco nos ofereciam em termos de acesso a mercados nos setores em que somos competitivos. Além disso, teríamos que nos conformar com grande perda de autonomia na definição de política públicas em áreas de importância estratégica como tarifas industriais, serviços, investimentos estrangeiros, compras governamentais e propriedade intelectual.

Em 2005, todas essas questões voltarão a ser discutidas intensamente no Brasil. Tudo indica que os EUA e a União Européia continuarão insistindo em negociar acordos desequilibrados. Veremos se o governo brasileiro sustentará a linha mais independente que começou a ser implementada em 2003 e 2004.

Por Paulo Nogueira Batista Jr., economista e professor da FGV-EAESP, é autor do livro “A Economia como Ela É …” (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002). Escreve às terças-feiras na Agência Carta Maior. E-mail: pnbjr@attglobal.net

Artigo extraído no sítio www.agenciacartamaior.com.br.

Por 21:05 Notícias

O Brasil não cabe no quintal de ninguém

A estratégia do governo brasileiro de atribuir prioridade às relações com os países em desenvolvimento ainda incomoda aqueles que nutrem pelo “Primeiro Mundo” um deslumbramento beócio.
Digito o título e paro. Acho que já o usei antes. Paciência. Fim de ano é assim mesmo.
Hoje quero escrever um pouco sobre as negociações comerciais externas. Sempre me pareceu existir uma certa desproporção entre a dimensão e o potencial do Brasil, de um lado, e a visão que as elites nacionais têm do país e do seu papel no mundo, de outro. O sintoma mais recente dessa desproporção é a visível má vontade de muitos setores com a política comercial do governo Lula. E, no entanto, essa é uma das poucas áreas em que o governo tem se mostrado capaz de inovar e atuar de forma razoavelmente eficiente.
Não quero ser agressivo nem indelicado com ninguém, mas a verdade é que boa parte das elites brasileiras tem uma vocação arraigada, quase diria atávica, para a subordinação e a subserviência. Não acreditam no país e nutrem pelo “Primeiro Mundo” um deslumbramento beócio, uma admiração essencialmente acrítica, que chega não raro às raias da abjeção.
Assim, muitos não se conformam com o atraso nas negociações com os EUA e a União Européia. Também não aceitam a ênfase conferida às relações com a América do Sul e países em desenvolvimento de outros continentes. Procuram estigmatizá-la como renascimento de um suposto “terceiro-mundismo” no Palácio do Planalto e no Itamaraty. O que interessa, afirmam alguns, é o estreitamento dos laços com os grandes mercados dos países ricos, e não alianças, de caráter retórico ou ideológico, com outros países pobres.
A evolução do comércio exterior brasileiro não parece confirmar essa avaliação. No acumulado de janeiro a novembro de 2004, em comparação com igual período de 2003, as exportações do Brasil para o Mercosul aumentaram 60%. Para os demais países latino-americanos (Aladi, exclusive Mercosul), o aumento das nossas vendas foi de 50%. Para a África, 49%. Para a China, 20%. Para o Oriente Médio, 36%.
No passado recente, a participação dos países em desenvolvimento nas exportações do Brasil cresceu consideravelmente e já alcança quase 50% do total. Não se deve perder de vista, além disso, que nas nossas vendas para esses mercados predominam produtos de valor agregado mais alto. No caso da América do Sul, os manufaturados respondem por mais de 90% das exportações brasileiras.
O Mercosul vem negociando diversos acordos comerciais com outros países em desenvolvimento. Foram concluídos acordos de comércio preferencial com a Índia e a União Aduaneira da África Austral (África do Sul, Botswana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia). Com a Colômbia, o Equador, o Peru e a Venezuela foram negociados acordos de livre comércio. Caminhamos gradualmente para a formação de uma Área de Livre Comércio da América do Sul.
Evidentemente, nada disso significa dar as costas aos mercados dos países desenvolvidos. Apesar do impasse na Alca e na negociação entre o Mercosul e a União Européia, o comércio com norte-americanos e europeus continua em expansão. No período janeiro-novembro deste ano, relativamente ao mesmo período do ano passado, as exportações brasileiras para a União Européia e para os Estados Unidos cresceram 30% e 21%, respectivamente.
As negociações com os norte-americanos e europeus, tal como conduzidas até 2002, afiguravam-se como muito problemáticas para o Brasil. Pouco nos ofereciam em termos de acesso a mercados nos setores em que somos competitivos. Além disso, teríamos que nos conformar com grande perda de autonomia na definição de política públicas em áreas de importância estratégica como tarifas industriais, serviços, investimentos estrangeiros, compras governamentais e propriedade intelectual.
Em 2005, todas essas questões voltarão a ser discutidas intensamente no Brasil. Tudo indica que os EUA e a União Européia continuarão insistindo em negociar acordos desequilibrados. Veremos se o governo brasileiro sustentará a linha mais independente que começou a ser implementada em 2003 e 2004.
Por Paulo Nogueira Batista Jr., economista e professor da FGV-EAESP, é autor do livro “A Economia como Ela É …” (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002). Escreve às terças-feiras na Agência Carta Maior. E-mail: pnbjr@attglobal.net
Artigo extraído no sítio www.agenciacartamaior.com.br.

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