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Compra de terras por empresas transnacionais é ameaça; e é preciso mudar o modelo agrícola do país

Compra de terras por empresas transnacionais é ameaça

Reunidos em um seminário promovido pelo Centro Celso Furtado, especialistas, dirigentes do MST e da Contag e presidente do Incra alertam para o novo ciclo de concentração de terras em curso no Brasil. Debatedores pedem a mudança do modelo agrícola do governo Lula.

RIO DE JANEIRO – A expansão descontrolada do agronegócio e o início de um novo ciclo de concentração de terras, inclusive nas mãos de empresas estrangeiras, são atualmente os maiores inimigos da reforma agrária no Brasil. Mudar essa realidade e transformar o modelo de desenvolvimento agrícola levado a cabo no governo Lula são tarefas urgentes para que o país possa conquistar justiça social no campo e desafogar as grandes cidades que já concentram 84% da população brasileira.

Essas foram as principais conclusões de um instigante seminário que reuniu nesta sexta-feira (29), no Rio de Janeiro, importantes personagens da questão agrária brasileira. Realizado pelo Centro Celso Furtado, o debate teve a participação de Rolf Hackbart (presidente do Incra), João Pedro Stédile (dirigente do MST), Manoel dos Santos (dirigente da Contag), Leonilde Medeiros (cientista social da Universidade Federal Rural do RJ) e Plínio de Arruda Sampaio (coordenador do último Plano Nacional de Reforma Agrária realizado no Brasil). Também aguardado no evento, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, não pôde comparecer.

A mais presente ameaça à reforma agrária, segundo os debatedores, são a cobiça e a especulação sobre as terras no Brasil criadas desde que o país anunciou sua intenção de se tornar um pólo produtivo de matéria-prima para novas fontes de energia: “É grande a pressão dos latifundiários e a gana pela terra nesse momento em que se discute a globalização do processo das energias renováveis, como etanol e biodiesel. O Brasil é um dos países que tem maior possibilidade de avançar nessa área e isso é sem dúvida uma grande fonte de expectativa de investimento para os latifundiários locais e também uma atração para os outros que estão lá fora e querem vir fazer essa exploração aqui”, avaliou Manoel dos Santos.

Para Rolf Hackbart, uma “disputa pelo território brasileiro” está em curso: “O mundo está discutindo a matriz energética e vê no Brasil um dos grandes potencias em volume de terra, volume de água, fotossíntese, biodiversidade”, diz. O presidente do Incra afirma ter recebido relatos dando conta dessa realidade: “Em algumas regiões, o avanço de certas culturas e certas produções já está tendo um impacto violento. Nesse sentido, já se fala dos escravos da cana modernos, da reconcentração da propriedade e do uso das terras em algumas regiões. Já se fala também da compra de áreas, muita terra no Brasil, por grupos internacionais”, disse.

Plínio de Arruda Sampaio criticou o governo Lula por deixar de mudar o modelo agrícola brasileiro e preferir colocar o país numa posição subalterna aos interesses internacionais: “O mercado internacional e as potências já decretaram que o Brasil vai ser novamente uma economia dinamizada pela produção e exportação de matéria-prima. O Brasil, com o apoio do atual governo, está se encaixando em seu nicho no mercado globalizado. Nós recuamos para a situação vivida antes da década de 30”, disse.

“Todos os dados empíricos que os pesquisadores têm mostram que aumentou a concentração da propriedade da terra no governo Lula. Portanto, houve uma contra-reforma agrária, até no sentido clássico”, afirmou João Pedro Stédile que, provocado pela platéia por ter, segundo a grande imprensa, “desistido da reforma agrária”, retrucou afirmando que foi o tipo de reforma que mudou: “Agora, a reforma agrária que defendemos não pode ser mais uma reforma distributivista. Na reforma agrária clássica, era possível sair da pobreza apenas distribuindo terra. Agora nós temos que distribuir terra, mas também reorganizar a produção agrícola para o mercado interno e para a produção de alimentos”, disse.

Opção pelo agronegócio

A opção do atual governo por um modelo que privilegia o agronegócio foi ilustrada no seminário por uma comparação contundente: foram destinados este ano R$ 12 bilhões à agricultura familiar e R$ 58 bilhões ao agronegócio: “No modelo atual, o agronegócio cresce, e as conseqüências disso são as que já sabemos: aumento do desmatamento, do envenenamento do solo, do desemprego no campo. Não podemos resolver o problema social dos excluídos desse modelo de crescimento apenas com medidas compensatórias como o bolsa-família”, afirmou Leonilde Medeiros.

Mesmo reconhecendo que os recursos para a agricultura familiar tiveram aumento considerável no governo Lula, Manoel dos Santos enxerga a situação longe do ideal: “Nesse modelo de desenvolvimento do campo, o agronegócio continua ganhando. Queremos a reforma das políticas públicas para fortalecer um modelo de desenvolvimento focado na agricultura familiar. Portanto, tem que ser uma política que envolva os assentados e os pequenos agricultores que têm terras por outros meios e que faça um planejamento que leve a essas famílias a condição de viver com dignidade”.

Hackbart recorreu a números para mostrar que o agronegócio também drena recursos que poderiam ser destinados à reforma agrária: “O orçamento do Incra no ano passado, arredondando, foi de R$ 3 bilhões. O ministro da Agricultura divulgou recentemente que o estoque da dívida do setor patronal é de R$ 131 bilhões e o Tesouro paga anualmente em torno de R$ 4 bilhões para a rolagem dessa dívida”.

“Nova aliança do capital”

A retomada da concentração de terras no Brasil em nome de grandes empresas transnacionais também preocupa os debatedores. Stédile afirmou que “o capital construiu uma nova aliança” para controlar a agricultura em todo o mundo: “No antigo modelo de industrialização dependente, quem dominava era a burguesia industrial. Agora não. Agora está em curso um processo que é fruto de uma nova aliança entre o capital financeiro internacional e os fazendeiros capitalistas”.

O dirigente do MST lembrou que o capital financeiro está por trás das grandes empresas transnacionais: “O capital financeiro injetou dinheiro de fora da agricultura, concentrou e centralizou. Nos últimos dez anos nos tivemos um movimento violentíssimo de concentração das empresas que atuam na agricultura”, disse. As pesquisas de Leonilde Medeiros confirmam as palavras de Stédile: “O fazendeiro tradicional é um personagem residual. Hoje, há o quase completo controle dos grandes conglomerados financeiros sobre as terras e a produção agrícola”, disse a especialista.

“Há dez anos, ninguém sabia o que era a Monsanto. Hoje ela controla o mercado do milho, do algodão, da soja, do óleo. Por quê isso? Porque a Monsanto é o fruto da concentração de 56 empresas que atuavam no comércio agrícola, na fabricação de venenos, na agroindústria, nas farmácias, nas pesquisas com sementes transgênicas”, disse Stédile, acrescentando que “essas empresas hoje estão controlando o comércio agrícola internacional, o preço e até mesmo a matriz tecnológica, pois determinam o tipo de adubo, o tipo de veneno e o tipo de máquina que devem ser utilizados na agricultura”.

Por Maurício Thuswohl – Carta Maior.
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Programa é um dos melhores investimentos em geração de emprego

Estudo do Ministério do Desenvolvimento Agrário aponta que reforma agrária gera, em média, um emprego direto a cada R$ 10 mil de investimento público. Posto na indústria custa cerca de R$ 23 mil..

SÃO PAULO – Um estudo elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) sobre os aspectos orçamentários e financeiros da reforma agrária no Brasil, entre os anos de 2000 e 2005, demonstra que o assentamento de agricultores pelo governo é um dos investimentos públicos mais baratos e eficientes na geração de postos de trabalho.

O estudo, que analisou tanto o montante de investimentos na reforma agrária no período, quanto o tipo de gastos – que incluem do processo preparatório aos financiamentos para investimento e custeio nos assentamentos, passando por aquisição de terras, titulação, assistência técnica, educação etc -, também esmiuçou as diferenças nas cinco grandes regiões do país segundo a modalidade de obtenção de terra, item mais caro do processo de assentamento.

Como resultante, constatou-se que há grandes diferenças entre os valores da reforma agrária dependendo da região. O gasto mínimo com o assentamento de uma família, de acordo com o documento, foi de R$ 16,4 mil, correspondente à obtenção não-onerosa (arrecadação, discriminação, reconhecimento e outras formas de aquisição) da terra para um pequeno número de famílias na região Sul. O valor máximo foi de R$ 81,1 mil, correspondente a aquisições (compra da terra) na região Sudeste. Nos casos em que houve desapropriação da terra, os valores oscilam entre R$ 25,8 mil (Nordeste) e R$ 58,2 mil (Sul).

No cômputo geral, levados em conta todos os gasto do processo da reforma agrária, o investimento médio no assentamento de uma família no Brasil é de R$ 30.977,00. Um valor baixo se forem consideradas os benefícios sociais que traz.

De acordo com o estudo do MDA, assentar uma familia equivale à geração, em média, de três empregos diretos e 1,4 indiretos. “É possível estimar a geração de 4,7 ocupações por família assentada, considerando-se os levantamentos feitos a campo e o cálculo dos efeitos direto, indireto e induzido para geração de empregos na Agricultura Familiar. Segundo a Fipe, os efeitos indireto e induzido respondem por mais de um terço (36%) das ocupações totais neste subsetor”, afirma o documento.

Segundo o economista e pesquisador da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Sergio Leite, especialista na questão agrária, o cruzamento dos valores gastos no assentamento de uma família com o seu potencial de geração de empregos faz da reforma agrária um dos programas mais eficientes e baratos de investimento público na criação de postos de trabalho.

“Comparativamente, se pegarmos os dados do Ministério de Trabalho sobre políticas como o Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger), por exemplo, teremos um custo de R$ 13.600 para a geração de um emprego na indústria, R$ 25.600 no setor de serviços e R$ 20.300 no comércio. O mesmo cálculo nesses setores, tendo como base o resultado do Programa de Promoção do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador (Pró-Trabalho), apontou uma despesa de R$ 23.000,00, R$ 35.500,00 e R$ 88.300,00, respectivamente, a geração de um posto de trabalho. Na reforma agrária, o valor cai para R$ 10 mil, considerados apenas os empregos diretos”, explica Leite.

Outro detalhe importante que reforça o peso econômico do programa de reforma agrária é o comparativo com a capacidade do agronegócio de gerar empregos. “O subsetor familiar gera 213 postos de trabalho e o patronal, 84. Ou seja, o primeiro é capaz de gerar 2,5 vezes mais ocupações que o segundo (…). O principal elemento que os diferencia é o emprego direto de cada um deles (136 postos frente a 22). Segundo o mais recente Censo Agropecuário, a agropecuária familiar é responsável por cerca de 78% do pessoal ocupado na agricultura brasileira” diz o documento.

Para além da economia

Apesar de reforçar o benefício econômico da reforma agrária, o estudo do MDA também frisa a importância do “papel do Estado para desenvolver e implementar políticas de desenvolvimento que reconheçam direitos e promovam o acesso democrático aos recursos naturais e aos recursos financeiros associados à reforma agrária”, bem como os impactos do gasto público sobre o crescimento e a redução da pobreza.

Uma avaliação simplista mas muito comum entre os críticos da reforma agrária tem sido a de que a aplicação de políticas de compensação social, como a bolsa família, aos trabalhadores sem terra, seria menos onerosa para o Estado e mais cômoda para o modelo agroindustrial em expansão no país.

Sobre a questão, a cientista social e pesquisadora da UFRRJ, Leonilde de Medeiros, avalia que existe um choque entre crescimento econômico e desenvolvimento, uma vez que o modelo agroindustrial gera um processo contínuo de exclusão social. Na mesma direção, a defesa das políticas compensatórias significaria manter um grupo cada vez maior sob absoluta dependência do Estado, acredita.

Sergio Leite concorda. “Política assistencial é para conter uma situação conflituosa. 200 mil famílias acampadas é uma situação de conflito, que precisa de políticas assistenciais. Mas isso não resolve questões estruturantes”. O engenheiro agrônomo e assessor especial do MDA, Vicente Marques, coordenador do estudo, arremata: “Justamente para que as famílias não precisem ficar 27 anos no Bolsa Família é que é fundamental a reforma agrária”.

Por outro lado, a tese de que, com o crescimento econômico, dependência e exclusão seriam sanadas pela absorção da massa de sem-terras no sistema produtivo, também é falsa, afirma Leonilde. Segundo a pesquisadora, os clientes da reforma agrária dificilmente teriam escolaridade suficiente para a inclusão num mercado de trabalho qualificado. Sobraria, então, o emprego degradante na agroindústria ou, em situação extrema, o trabalho escravo. “[Os sem-terra] são um público que circula muito e estão expostos a condições de altíssima exploração da mão de obra”, diz.

Portanto, afirma Leonilde, é imperativo que as políticas públicas não sejam avaliadas estritamente sob o aspecto de “receita x despesa”, investimento x retorno econômico. Tanto ela como Leitão reforçam a necessidade de se relevar, no mesmo patamar da análise econômica, o aspecto social e cultural da reforma agrária.

“O efeito do assentamento sobre os trabalhadores rurais é extremamente compensador do ponto de vista social e cultural”, diz Leite. “Reforça o núcleo familiar, a cidadania, possibilita acesso ao estudo, enfim, reduz drasticamente a deterioração dos laços sociais. É um ganho enorme, gera um processo de reorganização individual e coletiva, enfim, significa vida digna”, conclui Leonilde.

Por Verena Glass – Carta Maior.

NOTÍCIAS COLHIDAS NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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