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Qual a relevância dos jornalões ?

A atual conjuntura política, marcada pela crise no Senado Federal e pelas suspeitas em relação à administração da Petrobras, recoloca em pauta uma velha questão sobre o alcance e a influência dos jornalões da grande mídia: a Folha de S.Paulo, o Estado de S.Paulo e O Globo: merecem eles a importância que a elite política e os “intelectuais” lhes atribuem na formação da opinião pública brasileira, vis à vis, por exemplo, a televisão e/ou a internet?

Há alguns anos, muito antes da expansão da internet, venho insistindo que não (ver, por exemplo, “Jornal ou TV: qual mídia é mais importante na formação da opinião pública brasileira?” in Comunicação, Mídia e Consumo, vol. 2, nº 3, março de 2005). Não merecer a importância que se atribui a eles não significa que devam ser ignorados. Absolutamente. Significa, ao contrário, não se atribuir a eles uma relevância nacional que, se algum dia tiveram, não têm mais.

A apresentação deste argumento, todavia, mesmo diante de várias evidências, inclusive sobre a penetração da internet e a relativa democratização do seu acesso, é frequentemente rechaçada por diferentes interlocutores que acreditam ser ainda os jornalões e seus colunistas os principais responsáveis pela definição da agenda pública nacional.

O tema é complexo e, claro, não se pretende esgotá-lo e, muito menos, resolvê-lo. Apenas aceitar o desafio de continuar o debate.

Dois aspectos do argumento

Não vou retomar aqui todos os aspectos do argumento. Os dados relativos à queda de circulação dos jornalões são por demais conhecidos. Da mesma forma, já se discutiu muito sobre o “aproveitamento”, por emissoras de rádio e televisão, via agências de notícias, das matérias produzidas pelos jornalões. Creio que não há dúvida também sobre as importantes questões que surgiram recentemente quanto à credibilidade dos jornalões. Não pretendo, portanto, retomar esses pontos. Quero apenas lembrar dois aspectos.

Primeiro, o caráter regional dos jornalões. O Globo é, sobretudo, um jornal carioca, da mesma forma que a Folha e o Estadão são jornais paulistas. Eles não são jornais que circulam e/ou são lidos nacionalmente.

O segundo aspecto é, na verdade, um desdobramento do primeiro e merece ser explorado um pouco mais. Para quem exatamente os jornalões estão falando?

Uma das linhas de pesquisa sobre “a produção das notícias” (newsmaking) que se consolidou dentro do campo de estudo da Comunicação, nos últimos anos, busca relacionar a imagem da realidade social construída na e pela mídia aos valores partilhados e interiorizados pelos jornalistas acerca de como devem exercer sua profissão.

Há evidencias de que, na seleção das matérias a serem noticiadas, predominam as referências implícitas ao grupo de colegas e às fontes em relação às referências implícitas ao próprio público, isto é, às audiências e/ou aos leitores. Isto significa que, enquanto o público em geral é pouco conhecido pelos jornalistas, o contexto profissional-organizativo-burocrático imediato exerce uma influência decisiva na seleção do que vai ser noticiado. Vale dizer, a origem principal das expectativas, orientações e valores profissionais dos jornalistas não é o “público” para o qual eles e elas deveriam escrever, mas o “grupo de referência” constituído, sobretudo, por colegas e fontes.

Na verdade, as fontes com as quais os jornalistas “conversam” regularmente constituem um público fundamental para suas próprias notícias. Jornalistas recebem muito mais “reações” sobre suas matérias, coberturas, reportagens e análises de suas próprias fontes do que de qualquer outro grupo social. Eles estão permanentemente em contato com suas fontes e delas recebem cumprimentos, correções, reclamações, afrontas, negativas de acesso, cassação de credenciais etc.

Verifica-se, portanto, que, como afirmou Bernardo Kucinski, “a elite dominante é, ao mesmo tempo, a fonte, a protagonista e a leitora das notícias; uma circularidade que exclui a massa da população da dimensão escrita do espaço público”. Ora, essa constatação é verdadeira para todo o território nacional. Desta forma, além de não ser nacional, os jornalões são excludentes porque lidos, sobretudo, apenas pela elite brasileira – seja ela nacional, regional ou local.

E as conseqüências?

A prática profissional do jornalismo, não só nos jornalões, cria uma relação circular entre jornalista-fonte-jornalista que se auto-alimenta permanentemente. E essa relação circular jornalista-fonte-jornalista tende a se tornar assimétrica, enfraquecendo a fonte e fortalecendo os jornalistas. Enfraquece a fonte na medida em que, para tornar públicas as informações de seu interesse, ela fica “cativa” de um pequeno grupo de jornalistas. Por outro lado, fortalece os jornalistas (a) por eles terem o privilégio do acesso contínuo a fontes “autorizadas” e “acreditadas”; (b) por terem a opção de selecionar, omitir, enfatizar e distorcer informações; e, ainda, (c) por “operarem” protegidos e no interesse dos grupos de mídia no qual trabalham.

Parece correto afirmar, portanto, que os jornalões e seus jornalistas funcionam dentro de uma circularidade restrita a camadas específicas da elite política e “intelectual” brasileira. Nada mais do que isso.

Registre-se que a supervalorização indevida do poder dos jornalões, muitas vezes, provoca uma avaliação equivocada de qual realmente é a “opinião pública” majoritária no país e, consequentemente, pode conduzir a equívocos importantes, inclusive na formulação de políticas públicas por parte de setores do poder público.

Resta saber qual o poder concreto que esta elite política e “intelectual” exerce na vida política nacional. Nos processos eleitorais, se a eleição presidencial de 2006 servir como exemplo, as diversas “esferas públicas” que coexistem e funcionam na sociedade brasileira, fora do alcance dos jornalões, revelaram uma relativa autonomia.

Será que funciona também assim nos outros inúmeros aspectos da vida cotidiana? Essa é a questão.

Por Venício A. de Lima em 28/7/2009.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.observatoriodaimprensa.com.br.

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ENTREVISTA / JOSÉ SARAMAGO

“A internet não veio para salvar o mundo”

Por André Miranda em 28/7/2009

O Caderno, de José Saramago, 224 pp., Companhia das Letras, São Paulo, 2009; reproduzido de O Globo, 26/7/2009

As frases longas e bem elaboradas a que os leitores de José Saramago estão acostumados continuam lá, mas o ambiente é outro, justamente um que costuma pedir frases curtas, sem a necessidade de muita elaboração. Desde setembro de 2007, o escritor português, prêmio Nobel de Literatura em 1998, mantém um blog, onde comenta temas relacionados a política, literatura, religião e sociedade ou simplesmente escreve relatos sobre suas viagens, muitas ao Brasil.

Os textos estão saindo da internet e ganhando o papel, numa coletânea de sete meses de posts lançada esta semana pela Companhia das Letras sob o título de O caderno.

Em entrevista ao Globo (por e-mail, como é mais apropriado ao tema), Saramago explicou o que pensa sobre a rede, revelou que um dia deve se cansar do blog e exaltou a literatura de Chico Buarque.

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O caderno é uma coletânea de textos de seu blog. Escritores mais velhos, porém, costumam manifestar certo descaso com blogs. Como o senhor lida com a internet? O senhor enxerga nela a possibilidade de literatura ou apenas a vê como fonte de informação?

José Saramago – Escrever num blog não difere de escrever no papel. Salvo a extensão do texto em que, no caso do blog, se aconselha uma certa brevidade, os escritores não estão condicionados por regras que, supostamente, caracterizariam o blog. Não sou frequentador assíduo da internet.

Consulto o Google com frequência, nada mais. Quanto a ler blogs, faço às vezes, mas não mantenho diálogo com eles. Para mim, a internet é uma fonte de informação rápida e em geral eficaz, porém não confundamos: a literatura ou é ou não é, não há meios termos. Muitas transformações teriam de dar-se (e eu não vejo como nem quais) para que a internet tomasse lugar no fazer literário.

O senhor acha que a experiência em escrever para um blog, onde teoricamente os textos são mais diretos, teve alguma influência na sua escrita?

J.S. – Nenhuma. Continuo a utilizar frases longas, das que dão espaço e tempo para observações e análises, que considero necessárias. A tão louvada clareza das sínteses é, não raro, enganosa.

O senhor acompanha o fenômeno do Twitter, já pensou em abrir uma conta no site?

J.S. – Nem sequer é para mim uma tentação de neófito. Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.

No livro, o senhor escreve, sobre a internet: “É isto o mais parecido com o poder dos cidadãos?” E diz, ainda: “Não tenho respostas, apenas constato perguntas”. A resposta já apareceu? O senhor considera a internet um espaço democrático e verdadeiramente livre?

J.S. – Nada há que seja verdadeiramente livre nem suficientemente democrático. Não tenhamos ilusões, a internet não veio para salvar o mundo.

Num texto, o senhor também comentou o romance Budapeste, de Chico Buarque: “Não creio enganar-me dizendo que algo novo aconteceu no Brasil com este livro”. Por que a literatura de Chico seria tão renovadora? O senhor já leu seu novo romance, Leite derramado?

J.S. – Achei Leite derramado à altura do melhor que Chico Buarque tem escrito, embora, de todos os seus livros, continue a preferir Budapeste. A meu ver, a grande renovação operada por Chico Buarque deu-se ao nível da linguagem: o vernáculo toma o seu lugar ao lado do coloquial.

No dia 16 de novembro de 2008, o senhor escreveu, ao completar 86 anos: “Dizem-me que as entrevistas valeram a pena. Eu, como de costume, duvido, talvez porque já esteja cansado de me ouvir”. O senhor acha impossível ser surpreendido por alguma entrevista hoje?

J.S. – Creio que me fizeram todas as perguntas possíveis. Eu próprio, se fosse jornalista, não saberia o que perguntar-me. O mal está nas inúmeras entrevistas que tenho dado. Em todo caso, tenho o cuidado de responder seriamente ao que se me pergunta, o que me dá o direito de protestar contra a frivolidade de certos jornalistas a quem só interessa o escândalo ou a polêmica gratuita.

O senhor segue escrevendo para o blog hoje. Pretende seguir atualizando-o indefinidamente? Podemos esperar um O caderno II para breve?

J.S. – Haverá um O caderno II ainda este ano, mas não me vejo a escrever blogs indefinidamente. Tem sido uma boa experiência, chego a mais leitores com mais rapidez, mas tudo acaba por cansar.

Num texto recente do blog, o senhor escreveu um post muito afetuoso sobre sua alegria em ser escolhido acadêmico correspondente da Academia Brasileira de Letras. Por que o Brasil é tão importante para o senhor?

J.S. – O Brasil é importante para qualquer português. Gostaria de nos ver mais unidos a trabalhar em assuntos de interesse comum, mas as políticas nacionais nem sempre se inspiram nas melhores razões. É uma pena que assim seja. As minhas memórias mais antigas são as da literatura, os nomes e as obras de Machado de Assis, Manuel Bandeira, Jorge Amado, João Cabral de Mello Neto, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos – tantos e tão grandes escritores, estes e outros, que fizeram da literatura brasileira um tesouro inesgotável.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.observatoriodaimprensa.com.br.

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