fetec@fetecpr.com.br | (41) 3322-9885 | (41) 3324-5636

Por 13:35 Sem categoria

Agir ao inverso

Aperfeiçoar e aprofundar o eixo central do caminho perseguido pelo governo Lula torna-se um dos principais méritos da presidenta Dilma, garantindo que o conjunto dos resultados positivos obtidos até então possam ser mantidos nos próximos anos. Ou seja, o crescimento econômico acelerado e gerador de oportunidades menos desiguais e não tão agressivas ao meio ambiente.

Nessa perspectiva, o Brasil poderá se situar, ao final do governo Dilma, entre as cinco economias mais importantes do mundo, tendo superado a pobreza extrema, uma das piores mazelas do capitalismo do século passado. Além disso, com o conjunto de obras previstas e já em curso, a matriz energética nacional manter-se-á entre as mais limpas do planeta, o que poderá tornar-se uma das primeiras experiências de combinação do desenvolvimento com sustentabilidade ambiental.

Isso não significa, contudo, algo trivial, tampouco a mera reprodução de uma cópia do governo anterior. Crescer de forma sustentada e com a redução das desigualdades sociais e regionais impõe sérias e fundamentais decisões governamentais frente ao contexto internacional desfavorável que se prolonga desde a crise global de 2008. Mesmo os países que conseguiram passar quase imunes à crise internacional não apresentam as mesmas qualidades para reduzir desigualdades sociais e desenvolver-se com sustentação ambiental, como nos casos da China e Índia.

Por isso, a aprendizagem com os erros do passado, bem como as medidas acertadas pelo presidente Lula, tenderão a confirmar o grau de maturidade alcançado pelo novo governo progressista no Brasil. O conteúdo dos dois discursos apresentados nos eventos de posse da presidenta Dilma evidencia o seu compromisso maior pela continuidade da transformação da luta contra a pobreza multidimensional no principal vetor de expansão econômica sustentada e de mobilidade social ascensional. O programa Brasil sem Miséria, anunciado recentemente, aponta para esse objetivo, com a reunião de esforços de todo o governo em iniciativas capazes de atender com serviços públicos, garantia de renda e oportunidades de inclusão produtivas ao núcleo duro da pobreza nacional.

Essa perspectiva somente se tornou realidade na medida em que houve coragem política suficiente para desconstruir o tripé ideológico liberal-conservador que por vários anos aprisionou os ocupantes do Palácio do Planalto. De um lado, a concepção atrasada de que as políticas sociais ampliadas representavam custos ineficientes ao setor produtivo e, de outro, a visão míope de que a política ambiental ativa constituía um entrave ao avanço econômico. Por fim, a perversidade da crença de que os recursos necessários à infraestrutura seriam de responsabilidade exclusiva do setor privado.

Atualmente, percebe-se generalizadamente, até mesmo para os que não apoiavam o fortalecimento das políticas sociais, que elas possibilitaram enfrentar a crise financeira internacional, sustentar a demanda interna ao setor produtivo e, por consequência, aumentar o nível do emprego, sobretudo o formal. Os resultados obtidos imediatamente não satisfizeram à emergência da crise internacional, mas soldaram a alternativa estrutural de o Brasil seguir descontaminado do cenário vivido pelas economias ricas. Neste terceiro ano da crise global, o antigo centro dinâmico do capitalismo mundial (Estados Unidos, União Europeia e Japão) segue apontando para a prevalência do quadro de desânimo de semi-estagnação e piora dos indicadores sociais, especialmente o aumento da pobreza e desigualdade de renda.

A decisão política adotada pela presidenta Dilma de provocar a desaceleração consciente do conjunto das atividades econômicas no início de 2011 buscou convergir a finalidade estratégica de sustentação dos investimentos, a base da garantia do desenvolvimento no médio e longo prazos. Mesmo assim, a desaceleração coordenada não se mostrou ainda suficiente para dar conta de questões inadiáveis, como a desindustrialização assentada em vários focos, a partir da prevalência da valorização do real. Sem agir ao inverso, o Brasil aprofunda sua inserção mundial cada vez mais amparado na produção de bens primários, o que pode garantir excedente comercial e estímulo ao crescimento econômico, embora sem ocupações de qualidade e internalização do desenvolvimento científico e tecnológico.

Também nos planos social e ambiental, sabe-se que, no conjunto dos desafios deste início do século XXI, cabe aos países não só a erradicação da pobreza e das desigualdades, mas a construção de uma nova plataforma do desenvolvimento em bases pós-industriais. O conhecimento como espinha vertebral da organização da estrutura produtiva e ativo aglutinador do desenvolvimento total da sociedade. A refundação do Estado não parece trivial, porém constitui a ponte que vai permitir a passagem ao novo e superior padrão civilizatório.

De um lado, o fortalecimento do Estado torna-se peça necessária da engrenagem a garantir a sustentação do espaço público e a efetividade do regime democrático diante da supermonopolização do capital expressa pelo poder crescente das grandes corporações transnacionais. Somente 500 delas respondem atualmente pela metade do PIB mundial, chegando a ser maiores que países e suficientes para impor os seus interesses de lucro acima do bem comum das nações. A reinversão da competição e colaboração entre os agentes econômicos ocorrerá na medida em que o Estado se reposicione também mais favoravelmente aos micro e pequenos empreendimentos. De outro lado, o Estado refundado pressupõe uma nova matriz de organização administrativa, capaz de permitir seu funcionamento matricial (no plano horizontal) e articulado descentralizadamente (no plano vertical). A lógica da setorialização das ações estatais mostra-se cada vez menos funcional e de alto custo. Ampliar o fundo público por meio de uma reforma que torne justa o sistema tributário, com progressiva tributação sobre a propriedade e suas formas de rendimento (lucro, juros, renda da terra e aluguéis), é tarefa essencial.

O Brasil do presente e herdado pela presidenta Dilma é muito diferente daquele recebido pelo presidente Lula. Este patamar de país distinto exige uma maneira distinta na forma de agir por parte do governo e da sociedade. As condições objetivas existem e devem ser usadas em prol da continuidade no caminho que possibilite levar ao pleno desenvolvimento nacional.

Por Marcio Pochmann é colunista da Revista Fórum outro mundo em debate.

Artigo colhido no sítio http://revistaforum.com.br/marciopochmann/2011/09/01/114/

============================================

O neoliberalismo resiste

O resultado do processo político das três últimas eleições nacionais parece não ter sido suficiente para inibir – pelo menos – a arrogância dos defensores do neoliberalismo no Brasil. Permanecem resistentes como se nada houvesse mudado na sociedade, fazendo desconhecer, inclusive, a regressão socioeconômica pela qual mantiveram o país prisioneiro por quase duas décadas. No ano 2000, por exemplo, o Brasil situava-se na posição de 14ª economia do mundo, ocupando o terceiro posto no ranking do desemprego global, enquanto em 1980 encontrava-se entre as oito economias mais importantes do planeta e estava na 13ª posição do desemprego mundial.

A estabilização monetária a partir do Plano Real foi um avanço, não obstante a demora assistida até a sua obtenção, após mais de quatro anos de experimentalismo neoliberal. Por conta disso, o Brasil se tornou um dos últimos países a superar a superinflação, posto que desde os anos 1990 ela praticamente se afastou do alto patamar verificado nas décadas de 1970 e 1980. Mesmo assim, a estabilidade monetária obtida no país desde 1994 se mostrou incompleta e insuficiente para permitir a volta sustentável ao desenvolvimento nacional, uma vez que o dinamismo econômico esteve contido e extremamente vulnerável, com perversos efeitos sociais. Naquela época, por exemplo, bastava que algum país tossisse para que o Brasil registrasse uma baita pneumonia, o que foi comprovado nas crises financeiras da segunda metade da década de 1990 (mexicana, asiática e russa). Todas elas, por sinal, acompanhadas tanto pela elevação interna dos juros e da carga tributária como pela contração do gasto público e dos investimentos. O resultado era a ampliação do desemprego e a redução da participação dos salários na renda nacional. Com isso, o conjunto da renda dos proprietários (lucro, juro, aluguel e renda da terra) se mantinha inatingível e com maior presença na riqueza do país.

O contrário ocorreu em 2008, quando os países ricos se contaminaram com uma grave pneumonia que atingiu o mundo todo. O Brasil, contudo, acusou um resfriado. Um ano depois, a economia nacional encontrava-se entre as sete principais do mundo, ao passo que, juntamente com a China e a Índia, transformou-se em uma das novas locomotivas a puxar o crescimento econômico global. Evidentemente, isso não resultou de simples mágica, mas da alteração profunda nas opções de políticas econômicas e sociais desde o primeiro mandato do governo Lula. O corte gradual na taxa de juros, com suave recomposição da carga tributária, ocorreu simultaneamente à difusão dos investimentos e do gasto público, com elevação real do poder aquisitivo do salário mínimo e a ampliação da rede de proteção social. Mesmo durante a crise global do capitalismo, em 2008, o Brasil seguiu reduzindo a pobreza e a desigualdade de renda, a ponto de oferecer até 2015 o horizonte de superação da miséria e do reposicionamento da economia nacional entre as cinco mais importantes do mundo. É nesse contexto que a participação do rendimento do trabalho voltou a recuperar o terreno perdido frente à renda do conjunto dos proprietários. O quadro atual é de escassez de mão de obra qualificada, somente vivido pelo país durante a primeira metade da década de 1970.

Apesar disso, os defensores do neoliberalismo seguem atualmente inflexíveis, com críticas contínuas ao papel do Estado e ao gasto público, bem como à ausência das reformas de segunda geração (privatização do que ficou, como o Banco do Brasil, a Petrobrás, a Eletrobrás, a previdência e assistência social, entre outros). Exemplos disso não faltam e podem ser encontrados recorrentemente na mídia, como no caso dos artigos publicados no jornal Valor Econômico, no dia 13 de junho, e, especialmente, na Folha de S.Paulo, do dia 17 de junho, quando L. C. Mendonça de Barros introduziu uma novidade mágica. Ou seja, a atribuição ao governo FHC – do qual participou ativamente na privatização do setor produtivo estatal – a responsabilidade principal pela construção da nova economia brasileira. Para isso, utilizou-se do argumento central relativo à evolução real da massa de salários para negar a existência de uma “herança maldita” ao governo Lula.

Interessante a resistência dos neoliberais, sobretudo em argumentos como os adotados por Mendonça de Barros, que considera o comportamento da remuneração do trabalho desconectado da evolução da renda dos proprietários no Brasil. Destaca-se que a estabilidade monetária obtida nos governos Itamar/FHC não recompôs a distribuição entre lucros e salários, mantendo-a aberta à sangria dos juros altos e do elevado desemprego. Somente a ruptura com as políticas de corte neoliberal durante o governo Lula permitiu que a participação do rendimento do trabalho na renda nacional passasse a crescer continuamente, ultrapassando o peso relativo da renda somada dos proprietários e mista ao final da década de 2000.

Entre 1990 e 1996, por exemplo, a participação do rendimento do trabalho na renda nacional diminuiu 15,4%, com sua leve e não sustentável recuperação de 4,9% entre 1996 e 2001. De 2001 a 2004 houve nova queda de 2,1% no peso relativo do rendimento do trabalho na renda nacional, para, a partir de então, registrar a tendência de elevação dos salários acima da renda dos proprietários, cuja estimativa de aumento acumulado seria de 10,3% até 2010. Neste ano, em especial, o peso relativo do total da remuneração dos trabalhadores na renda nacional teria ultrapassado o conjunto das demais rendas pela primeira vez desde a ascensão das políticas neoliberais. Ou seja, quase 20 anos depois.

A resistência dos neoliberais segue inviabilizada pela verdade dos fatos. Seus argumentos procuram menosprezar o sucesso das políticas econômicas e sociais atuais, quando, na realidade, nada apresentam de conexão com a regressão socioeconômica da década de 1990. Apenas a ilustração referente à evolução da distribuição funcional da renda nacional permite constatar o sucesso do Brasil pós-neoliberal.

Esta coluna faz parte da edição nº 100 de Fórum.

Por Marcio Pochmann.

Artigo colhido no sítio http://revistaforum.com.br/marciopochmann/2011/08/25/o-neoliberalismo-resiste/

Close